A minha vida nos minutos que vão do toque do despertador até ao sair de casa definitivamente para mais um dia de trabalho é de uma descoordenação incrível. É um non-sense inexplicável, uma sucessão de eventos infelizes que se repetem mesmo que eu me convença vezes sem conta de que não volto a cair nos mesmos erros.
Hoje no caminho para o trabalho tentei decorar mentalmente, enquanto a memória ainda estava fresca, o que mais uma vez me acontecera. É mais ou menos isto:
08:15 - Toca o despertador. Carrego no botão "Repetir"
08:20 - Toca o despertador. Carrego no botão "Repetir"
08:25 - Toca o despertador. Carrego no botão "Repetir"
08:30 - Toca o despertador. O botão "Repetir" já não está activo, carrego no "Parar". Aí sei que tenho que acordar. Sento-me e logo a seguir deito-me "Só mais um bocadinho e não é para dormir, é para programar o dia".
08:31 - Adormeço e durmo mais 15 minutos.
08:46 - Acordo de repente porque sei que já estou atrasado. Dou um salto na cama, enfio mal os pés nos chinelos, agarro-me ao armário para não cair.
08:47 - Nova tentativa de calçar os chinelos, caio na cama outra vez e penso que se alguém visse a figura que estou a fazer era uma vergonha.
08:48 - Pego na toalha, vou à cozinha ligar o esquentador embora saiba perfeitamente que o deixei ligado na véspera para não ter que ir lá de manhã.
08:50 - Banho.
09:00 - Tentativa de fazer a barba. As lâminas estão no quarto, vou buscar.
09:02 - Nova tentativa, a espuma está vazia ("logo à noite deito isto fora!"), tenho que ir buscar outra... ao quarto. Não sei porque ponho estas coisas no quarto. Faço a barba enquanto penso nisso.
09:10 - Regresso ao quarto, com a espuma na mão. Chego lá, olho para a espuma, penso que estou a ficar doido e volto a colocá-la no sítio onde estava. No quarto.
09:11 - Visto a roupa que tinha preparada na véspera. Graças a todos os santinhos, tenho o bom-senso de manter este hábito...
09:13 - Pontapé na perna da cama ao vestir as calças. Atiro-me para cima da cama com as dores.
09:15 - Tento calçar os sapatos sem a ajuda das mãos, agarro-me ao armário para não cair, percebo que tenho que me sentar para me calçar. Claro.
09:16 - Tenho que desligar o carregador do portátil da ficha que inexplicavelmente se situa debaixo da cama. Faço uma ginástica terrível, tiro a ficha à força e com o movimento dou um soco na perna da cama. Atiro-me para cima da cama com as dores.
09:18 - Arrumo o portátil à pressa.
09:20 - Saio de casa, bato com a porta, chamo o elevador.
09:21 - Entro em casa para pôr perfume.
09:22 - Saio de casa, bato com a porta, o elevador já desceu sem mim.
09:23 - Entro em casa para procurar o telemóvel, deixei-o em qualquer lado. Penso em ligar para ele para saber onde está. Como só tenho um, apercebo-me do ridículo da ideia. Encontro-o na banca da cozinha (???) ou na casa-de-banho.
09:25 - Saio de casa, bato com a porta, chamo o elevador.
09:27 - Saio do prédio e procuro o carro. Penso que durante a noite alguém o tirou do estacionamento onde estava e o pôs noutro. Tinha a certeza que o tinha deixado ali... afinal não.
09:30 - Arranco para o trabalho.
A partir daqui ainda podem acontecer duas situações: Lembro-me que deixei o almoço (que tinha preparado na véspera) no frigorífico ou que deixei o miserável carregador do portátil em cima da cama. Se nenhuma das duas acontecer fico feliz por ter acordado com tanta presença de espírito...