Há dias recebi nesta publicação um comentário de um "anónimo" que é um exercício formidável: o outro lado da mesma história. Está tão bem escrito e encaixa tão bem no texto original que merece, ele próprio, a sua publicação! Eu gostei... Aqui está:
"Tinha 23 anos quando o conheceu. E, nessa idade, vibram ainda na pele os romances de primeiras vistas.
Tudo
era novo. E como sempre sorria. Sorria para disfarçar a vergonha,
sorria porque não sabia o que fazer. E sorria porque era esse o seu
jeito.
Era o seu primeiro emprego mas sentiu-se tão bem desde o
primeiro dia! De alguma forma logo percebeu que o facto de ter aquela
idade lhe assentaria na perfeição no meio daqueles homens maduros. Como
poderia não existir um peito disponível para a proteger de tanta
vergonha e timidez? E depois havia tanto amor no seu sorriso, uma paixão
infinita no brilho do seu olhar... Era impossível que não resultasse.
Claro
que não pensou nisso logo no primeiro dia, era tudo tão novo que nem
tinha tempo de pensar, nos primeiros dias os momentos de embaraço
cansavam-na tanto que chegava a casa e caía como uma pedra.
Mas
depressa chegou lá. E era ele. Aquele para quem ela não conseguia parar
de olhar. Havia admiração. Tanta que parecia até coisa de outro mundo. E
uma vontade enorme de sentir o conforto de estar nos seus braços e
fazê-lo despedir aquele ar sério e vê-lo rir no meio de uma brincadeira,
vê-lo sorrir no conforto de um carinho. Quis, como nunca, ser de
alguém. Pertencer-lhe. Só para o fazer feliz. Uma espécie de desafio,
trazê-lo de novo à vida, viver com ele essa paixão que lhe começava a
formigar nas entranhas.
E sim, houve uma conversa, um café, vários momentos, vários pretextos, como há sempre, e a história começava a desenhar-se.
Ele
era casado e tinha filhos, ela rápido o soube e percebeu que isso era o
mais importante da vida dele e por isso admirava-o ainda mais. E o seu
desejo não era substituir nada disso na vida dele. Não, ela nunca
quereria destruir tal preciosidade. De certa maneira sentia que a magia
aconteceria num outro mundo paralelo, que não se cruzaria com este.
Não
o queria sempre, não o queria para sempre mas queria estar com ele. O
tempo que fosse possível seria o necessário. Sem exigências, apenas pelo
prazer das sensações que estarem juntos traria aos dois. Imaginou-o mil
vezes, de mil formas na sua cabeça, mesmo antes que acontecesse. E
quando aconteceu, não foi melhor nem pior, foi bom. Tão bom, que sentiu
algo que nunca tinha sentido. E quis que essa sensação se repetisse.
E
repetiu sempre que estiveram juntos. Só os dois, em encontros de tempo
contado, como verdadeiros amantes. Ela amava cada segundo que podia
desfrutar da presença dele quando estavam a sós. Sentir o corpo dele... O
peito dele no dela era das sensações mais incríveis que alguma vez
conseguira sentir. Havia paz, segurança, tranquilidade. Sim, ele era
isso tudo para ela.
Depois havia sempre aquele momento em que ele tinha de se ir embora e
ela sentia-se só, abandonada. Às vezes passava rápido, outras vezes esse
momento prolongava-se por lágrimas de noites de sono perdidas... Mas
maior parte das vezes não existia nada disso. Ele ia embora e ela
continuava feliz. Grata por sentir tudo aquilo, por fazê-lo feliz e por
saber que ele saia dali para os braços de quem mais amava neste mundo.
Sim,
isso não lhe costumava fazer mossa, ela não sentia essa necessidade de
sentir que ele a amava acima de tudo. Bastava-lhe estar com ele e sentir
que ele gostava tanto como ela de estar ali. Isso já era perfeito.
Porque o haveria de querer dessa maneira egoísta? Tempos depois ele
decidiu diferente, mesmo sem que ela alguma vez lho tivesse pedido. E
tornara-se só dela.
Na cabeça dela haviam crescido muitos sonhos e
expectativas entretanto, e quando isso realmente aconteceu, a verdade é
que ela não lamentou o que sabia ser a maior perda da vida dele. Nem foi
egoísmo, simplesmente na altura não o pensou dessa maneira.
E a
vida poderia até ter sido perfeita para os dois, davam-se bem, dava
gosto vê-los juntos, em trocas de cumplicidades sempre sem discussões,
felizes! Mas isso só seria possível se não existisse essa coisa do
tempo...
O tempo passou. Nem foi preciso muito. Passou por eles.
Apanhou-os. E ela percebeu isso esta manhã, quando acordou e o olhou nos
olhos, e os seus não raiaram. E aí sim, sentiu por fim um peso enorme
de ter roubado aquele homem que agora estaria perdido para sempre… E nem
as recordações dos tantos momentos perfeitos que passaram juntos a
fizeram serenar.
Levantou-se e saiu. Sabia bem que não haveria nenhum sorriso, nenhum olhar, nenhum carinho seu que pudesse ajudar..."