O Zé não é empreendedor
Um dos argumentos comuns para justificar a estagnação económica do país
nos últimos 10 anos é a de falta de sentido empreendedor. Os
empresários, diz-se, são mal-preparados e fazem os possíveis para fugir
aos impostos. Por outro lado, fala-se numa falta de sentido empreendedor
da “geração mais bem preparada de sempre”. Para percebermos um pouco o motivo desta falta de sentido empreendedor,
imaginemos o caso do Zé, um jovem engenheiro informático saído da
universidade. O Zé desenvolveu um hardware especial adaptado a empresas
que fazem apps. Acabado o curso, decidiu começar a comercializar o
produto. O negócio começa bem e o Zé já encontrou um cliente disposto a
pagar a pagar 3000 euros por mês para comprar uma unidade desse
hardware. Nada mau para uma start-up, pensa ele. Precisando de ajuda,
ele fala com um dos seus colegas de curso que se dispõe a fazê-lo desde
que receba 1000€ líquidos por mês (12 mil € por ano). O Zé tem,
portanto, um modelo de negócio que não só irá criar 36000€ de valor
acrescentado (PIB) anualmente, como gerará um emprego. Se a coisa correr
bem, dentro de alguns anos, a empresa poderá criar muito mais valor e
empregar muito mais pessoal qualificado. Criação de riqueza e emprego,
precisamente o que a economia portuguesa mais precisa.
O Zé começa então a fazer as contas. O cliente da Zé, Lda avalia o
produto em 3000€, mas a empresa apenas receberá 2439€, já que 561€ irão
para pagar o IVA. O Zé descobre também que, para que o seu colega de
curso receba 12 mil euros por ano, a Zé Lda terá que gastar nada menos
do que 20.076€ (1673€ por mês) para cobrir a retenção de IRS, a TSU do
empregado e a TSU do empregador.
Eliminados estes custos, o lucro começa a parecer bastante diminuto, mas o Zé ainda é obrigado a pagar IRC sobre esses lucros. Finalmente o Zé, para gozar dos lucros da empresa que montou, ainda tem que pagar IRS sobre os dividendos.
Eliminados estes custos, o lucro começa a parecer bastante diminuto, mas o Zé ainda é obrigado a pagar IRC sobre esses lucros. Finalmente o Zé, para gozar dos lucros da empresa que montou, ainda tem que pagar IRS sobre os dividendos.
Feitas as contas, o Zé receberá cerca de 422€, menos do que um salário
mínimo. Dos 3000€ euros de valor acrescentado, o estado absorverá
1578€. Isto sem contar com impostos de selo, taxas diversas e as multas
da ASAE por a sua garagem não ter condições para empregar o amigo.
O Zé precisaria de aumentar a escala da empresa para 3 empregados e 3
produtos vendidos por mês para poder receber 1200€. Mas isso seria
demasiado ambicioso para uma start-up. Dizem ao Zé que há empresas
grandes que pagam bastante menos impostos recorrendo a truques
contabilísticos, mas o Zé não tem grandes condições para contratar
contabilistas.
O Zé desiste da ideia e vai trabalhar para um Call Center. Dez anos mais
tarde ouve falar da história de um milionário Irlandês que desenvolveu
um produto muito semelhante ao do Zé e agora o vende para todo o Mundo.
No Prós e Contras dessa semana discute-se a falta de sentido
empreendedor dos jovens licenciados."
Escrito por Carlos Guimarães Pinto a 22/04/2013 no blog http://portugalcontemporaneo.blogspot.pt