Ainda ofegante, Paulo trancou a porta atrás de si mesmo sabendo que aquela gente conseguia arrombar uma porta em menos de nada. Não compreendia o que tinha visto. Não sabia se tinha alguma relação com o seu caso ou se tinha estado mais uma vez no local errado à hora errada. Estava em pânico e ainda não sabia se o alemão estava a caminho ou se o estranho casal se iria aperceber do erro e arrombar a sua porta a qualquer momento. Olhou pela janela, estava a amanhecer. Mas não se sentia seguro e temia por Tomás. Não podia conceber a ideia de ver o filho ser torturado pelo alemão ou por aquele casal louco. Era também demasiado arriscado tentar sair com o miúdo, por isso tomou uma decisão.
Acordou Tomás e levou-o para a varanda. O filho estava possuído pelo sono, nem sabia bem onde estava, mas Paulo não tinha tempo para explicações:
- "Filho, confias em mim?"
- "Sim, pai"
- "O Pai vai sair e tu ficas aqui na varanda. Não entres em casa, mas fica sempre a olhar para a porta da rua e lá para baixo. Quando vires o pai lá em baixo, podes entrar na sala e esperar por mim. Mas se por acaso não vires o pai e vires a porta de casa a abrir, não hesites e salta da varanda. Salta com força, para a piscina. Prometes?"
- "Mas pai, eu não sei se consigo chegar à piscina..."
- "Consegues, filho. Salta com muita força!"
- "Mas está tudo bem, pai? O que se passa???"
- "Não posso explicar agora, mas vai correr tudo bem. Quando me vires lá em baixo volta para casa e espera por mim, ok? Só isso..."
- "Combinado, pai..."
Paulo sabia que era praticamente impossível o miúdo chegar à piscina caso tivesse que saltar. Mas era um mal menor, se tivesse que saltar podia partir apenas uma perna ou um braço, melhor do que ser torturado por um bando de doidos... deixou Tomás na varanda e saiu da casa, fechando a porta. Ia ver se havia perigo, se o caminho estava livre, se podia pegar no filho e fugir para a esquadra mais próxima.
A porta de casa de Roberto estava fechada, sem sinais de entrada forçada. Dir-se-ia que nada tinha acontecido ali há breves momentos. Paulo abriu a porta da escada de serviço e desceu lentamente, andar após andar, sempre munido da faca de cozinha. Ao chegar ao rés-do-chão,a porta estava trancada - não tinha como sair do edifício. Paulo pensou como é que aquele casal teria entrado se a porta estava trancada. Lembrou-se que o porteiro só abria as portas às oito da manhã e que ele próprio tinha uma chave em casa.
Foi então que decidiu subir e abrir a porta de casa lentamente para avisar Tomás que estava tudo bem. Ao chegar ao apartamento abriu a porta com todos os cuidados e quando esticou a cabeça para avisar Tomás já só conseguiu ver as pernas do filho que tinha acabado de saltar do sétimo andar.
Tomás mergulhou desajeitado na piscina e sentiu a água fria a percorrer-lhe o corpo enquanto pensava "consegui mergulhar!". Andava na natação e já sabia o suficiente para se deslocar até à borda mais próxima. Preocupado, olhou para cima para ver quem tinha afinal entrado na casa deles. Quando avistou o pai, lívido, debruçado na varanda, acenou feliz e gritou: "Papá, consegui mergulhar na água!!". Viu o pai sorrir aliviado e tentar uma resposta que nunca chegou porque um alemão com o cabelo loiro impecavelmente penteado e uma cicatriz na testa se aproximou por trás dele e lhe cortou a garganta com um só golpe.
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