Ensaio sobre a cegueira foi talvez o livro que mais marcou a minha juventude. Motivo mais que suficiente para eu estar com muito receio do novo filme de Fernando Meirelles baseado no livro de Saramago. Penso que é normal, quando se gosta muito de um livro e este é adaptado ao cinema, ter medo de ver na tela as cenas de uma forma completamente diferente daquela que se imaginou com a leitura.
Para além disso, as várias críticas negativas que li e ouvi tinham contribuindo bastante para o meu cepticismo em relação ao filme, mesmo sabendo que seria da autoria de Fernando Meirelles, excepcional realizador de Cidade de Deus.
Mais do que qualquer outro argumento, neste há necessariamente uma diferença grande entre a leitura e a visualização. Enquanto que no livro somos mais um dos “cegos” a imaginar situações relatadas, aqui o realizador convida-nos (como não podia deixar de ser) a ver o que a mulher do médico vê. E aí, o filme ganha uma dimensão diferente da do livro. E Meirelles é fabuloso nesse aspecto, ao conduzir o espectador por todo aquele ambiente primário, nojento mesmo, quase conseguimos sentir o cheiro a suor, sangue, bolor, podridão... tal como no livro. Importantes também os momentos de “brancas”, de escuridão total, de imagens desfocadas, como que a lembrar-nos de como somos afortunados por poder ver o que estamos a ver.
Constatei que muitas das situações que tinha imaginado são semelhantes às do imaginário do realizador (agradável surpresa!) e fiquei realmente impressionado pelo realismo e pela força das imagens. Cheguei mesmo a sentir-me cansado e enjoado, algo que já havia sentido no livro e que nunca pensei que fosse transportado para cinema com sucesso. Julianne Moore, uma das maiores da sua geração, é a escolha perfeita para esta personagem, a imagem viva do sofrimento, da dor de ver o que não devia (e provavelmente, a partir de certo ponto, já nem queria) ver e do peso que carrega sem nunca o ter desejado. Concordo com as críticas de que algumas cenas ficam um pouco em suspenso e são mal exploradas, o filme falha um pouco por aí, mas também acredito que isto se deve à tentativa de não o tornar demasiado longo. Esforço desnecessário, pois os 120 minutos de “Blindness” passam sem se dar por eles.
Há quem diga que o filme é melhor que o livro. Claro exagero, pois o filme, apesar de possuir o essencial, acaba por passar um pouco ao lado da intensidade e da profundidade da obra de Saramago. No entanto, sem ser perfeito, é um excelente filme e uma agradável surpresa.
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